Palestrante: Des. José Geraldo De Jacobina Rabello

Fotos Palestras

Meio Ambiente e Urbanismo

Ao contrário do que se pode pensar, desde tempos muito remotos, o homem expressava preocupação com a sustentação do meio em que vivia. Efetivamente, na própria Bíblia sagrada, é possível se encontrar referências a respeito do meio ambiente. Assim é que, no Deuteronômio (Código de Leis do Livro Sagrado), consta mandamento sobre se dever evitar derrubar as árvores do entorno de uma cidade, no cerco do exército contra o inimigo, assim como não derrubar as árvores eventualmente existentes nas suas proximidades, exceto quando necessárias para emprego na almejada conquista. “Quando te detiveres muito tempo no sítio de uma cidade...não cortarás as árvores...nem deves deitar abaixo a golpes de machado os arvoredos do país circunvizinho”, estes os exatos termos do mandamento. Na história da França, no já distante ano de 1.219, “as florestas foram a primeira riqueza natural a se fazer objeto de uma regulamentação progressivamente rigorosa”, segundo escreveram Jérôme Fromageau e Philippe Guttinger, em “Direito do Meio Ambiente”. Por essa forma se tinha em vista assegurar madeira para a construção de barcos a servirem numa guerra e também proteger as fontes de água. Nas suas velhas Ordenações do Reino, também Portugal ditou regras a se referirem a um dever de não se cortar árvores sem autorização.

Nesses casos todos podemos falar em preocupação com o que, hoje em dia, denominamos “meio ambiente natural”. Por outro lado, na mesma referida França, normas igualmente bem antigas, de cerca de seis séculos, passaram a dispor sobre obrigatória localização apenas na periferia das cidades de atividades de cunho industrial causadoras de incômodo, como ruídos produzidos e mau cheiro, caso dos curtumes, por exemplo. Ainda quase no final do século XVIII, na Inglaterra, tinha início a produção industrial de bens, o despertar da industrialização, com o fim dos teares manuais. Esse acontecimento se tornou fato gerador de extraordinária migração dos habitantes do campo para as cidades, em busca de trabalho e de independência. Essas cidades não se mostravam preparadas para os receber, pelo que as suas ruas sempre se mostravam sujas de lixo e a falta de higiene era a marca interna de abrigos superlotados e de favelas. Então, no que se refere a este quadro referente a ruas, casas, excrementos, sujeira, mau cheiro, barulho, a doutrina passou a se referir, mais no presente, ao “meio ambiente artificial”, que é o meio ambiente dos empreendimentos humanos, construído, da cidade, meio ambiente artificial esse como que em contraposição ao meio ambiente natural, ao qual nos referimos no início. Mas, além do meio ambiente natural, que abrange a fauna e a flora, bem como os elementos sem vida, como as pedras, e além do meio ambiente artificial, os doutrinadores apontam também para o meio ambiente cultural e para o meio ambiente do trabalho. Assim é que, se admiramos ou estudamos uma determinada dança, como o frevo pernambucano, ou certas cantigas, se podemos elogiar o modo de construção da ponte erguida por meio do traçado que saiu da mão de Euclides da Cunha em São José do Rio Pardo, se vemos com respeito um prédio que muito lembra o passado em seus vários aspectos e que por isso mesmo veio a ser tombado, como a Casa do Bandeirante, em São Paulo, ou se nos agradamos em ver bela paisagem, digna de ser preservada, estamos a tratar do meio ambiente cultural. É do meio ambiente cultural que trata o artigo 216 da Constituição Federal. Quanto ao meio ambiente do trabalho, a competência para decidir a seu respeito, se proposta alguma ação judicial, por esse ou por aquele motivo, não será mais da justiça comum, mas sim da justiça do Trabalho. Conforme se tem entendido, a partir de uma visão ampla do meio ambiente, se deve considerar a proteção da qualidade de vida no interior das fábricas e escritórios e lojas como algo não alheio ao direito ambiental, cabendo, assim, aplicação, no caso, dos princípios da obrigatoriedade da intervenção estatal. Não se pode ter como lícita a exposição dos trabalhadores aos riscos de uma doença com o único fim de potencializar a capacidade produtiva de uma empresa, como escreveu Guilherme Purvin de Figueiredo, em “Direito Ambiental e a Saúde dos Trabalhadores”. Esse escritor registrou que tem um caráter nitidamente ambiental o que foi disposto no artigo 7º, inciso n. XXII da Constituição, isto é que constitui direito dos trabalhadores urbanos e rurais a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Ao contrário do que se pode pensar, desde tempos muito remotos, o homem expressava preocupação com a sustentação do meio em que vivia. Efetivamente, na própria Bíblia sagrada, é possível se encontrar referências a respeito do meio ambiente. Assim é que, no Deuteronômio (Código de Leis do Livro Sagrado), consta mandamento sobre se dever evitar derrubar as árvores do entorno de uma cidade, no cerco do exército contra o inimigo, assim como não derrubar as árvores eventualmente existentes nas suas proximidades, exceto quando necessárias para emprego na almejada conquista. “Quando te detiveres muito tempo no sítio de uma cidade...não cortarás as árvores...nem deves deitar abaixo a golpes de machado os arvoredos do país circunvizinho”, estes os exatos termos do mandamento. Na história da França, no já distante ano de 1.219, “as florestas foram a primeira riqueza natural a se fazer objeto de uma regulamentação progressivamente rigorosa”, segundo escreveram Jérôme Fromageau e Philippe Guttinger, em “Direito do Meio Ambiente”. Por essa forma se tinha em vista assegurar madeira para a construção de barcos a servirem numa guerra e também proteger as fontes de água. Nas suas velhas Ordenações do Reino, também Portugal ditou regras a se referirem a um dever de não se cortar árvores sem autorização.

Às vezes, será possível nos deparar, numa certa situação, não apenas com uma tela de meio ambiente natural, isoladamente, mas sim conjugada com uma realidade de meio ambiente artificial. É possível, ainda, um quadro de meio ambiente artificial, em coexistência com meio ambiente cultural. Vejamos uma ocorrência em que cabe se reconhecer uma situação de problema pertinente ao meio ambiente artificial, porque a dizer respeito a leis urbanas, como também ao meio ambiente natural. Aconteceu que, no Município de Porto Belo, situado na zona costeira de Santa Catarina, a Prefeitura deu licença para a construção de um hotel, com três andares, numa elevação ou promontório, junto ao mar, área declarada como sendo de preservação permanente, por lei estadual e do município, sendo certo que a obra chegou a avançar em parte das águas, através de aterramento. Visto que, conforme o disposto no artigo 20 da Constituição Federal, o mar territorial, bem como os terrenos de marinha, são bens da União, que não fora previamente consultada sobre o empreendimento, propôs ela, a União, ação civil pública contra o Município e contra o empreendedor, ocupante de terreno de marinha e promontório. Na inicial, a União pediu que o juízo declarasse a invalidade da licença municipal, com condenação em obrigação de fazer consistente na demolição do prédio. Alegou na petição inicial irregularidade da construção e ocupação ilícita do local, mediante licença nula. Em primeiro grau, a sentença se mostrou contrária à autora. Por isso, foram interpostas apelações, pela sucumbente e pelo Ministério Público. As apelações foram providas, em parte, pela maioria dos desembargadores do Tribunal Regional Federal, com julgamento de procedência da demanda, pela natureza “non aedificandi” da área e por motivo de caracterização da obra ou atividade em questão como potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, de forma que não podia ter sido ignorada imposição de Estudo Prévio de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental. Em seguida, interpostos embargos infringentes pelo proprietário-réu, foram eles acolhidos, mas apenas para livrá-lo dos custos com a demolição do estabelecimento. E então a União se viu levada a interpor Recurso Especial, para que os referidos ônus com a demolição passassem mesmo à responsabilidade do infrator. Quanto a esse Recurso Especial, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que a licença urbanístico-ambiental expedida pelo Município para a realização do empreendimento era uma licença que padecia da nulidade absoluta, decorrente de vício congênito. Desta forma, revelando-se nula, não apta tal licença para produzir os efeitos que lhe seriam próprios, por descumprir as exigências estabelecidas por lei e atos normativos federais, estaduais e municipais, especialmente o disposto na Lei 7661/88, que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e também o disposto no Decreto Federal 5.300/2004, que regulamenta a lei mencionada e que adotou o princípio da “cooperação entre as esferas de governo”. Não ocorrera, na concessão da licença em questão, nenhuma cooperação, ressaltou o acórdão do STJ (REsp 769753/SC – 2005/0112169-7).

Vê-se, nesse precedente, que estamos a recordar, que ele envolveu o meio ambiente urbano, isto é, artificial, traduzido em irregular obra do homem, embora com licença, mas licença irregularmente expedida, bem como envolveu o meio ambiente natural, a saber, a defesa dos recursos na Zona Costeira. No julgamento do Recurso Especial, no qual foi Relator o Ministro Herman Benjamin, notável ambientalista, foi levado em conta, na determinação da responsabilidade do proprietário réu, o princípio do poluidor-pagador, um dos mais importantes no Direito Ambiental. No que consiste ele? Esse princípio do poluidor-pagador se traduz em imposição ao poluidor e ao predador de sanção consistente na obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, independentemente de culpa. É o que vem disposto na lei fundamental referente ao meio ambiente, denominada de Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, n. 6938, de 31 de agosto de 1981, artigos 4º., inciso VII, e 14, parágrafo primeiro. Outro dos princípios do direito ambiental considerado no acórdão do Superior Tribunal de Justiça foi o denominado princípio da melhoria da qualidade de vida, que vem previsto no artigo 2º. da Lei 6.938/81. Esse princípio reza que o objetivo da Política Nacional do Meio Ambiente consiste na preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida. Por último, a fundamentação do acórdão se alicerça também no princípio da precaução. Princípio da precaução que, albergado de maneira mais marcante no parágrafo 1º., n. IV, do artigo 225 da Constituição, não se confunde com o princípio da prevenção. É que, segundo a doutrina, a precaução surge quando o risco é alto, devendo ser acionado nos casos em que a atividade pode resultar em degradação irreversível do meio ambiente, por longo período, como no caso de Porto Belo. O professor argentino Nestor Cafferatta ressaltou em artigo que “...o princípio que diferencia o Direito ambiental do resto das disciplinas clássicas é o princípio precautório, pelo qual se impõe a tomada de soluções ex ante e não ex post. Na chamada “Carta do Rio de junho de 1992”, que resultou da Conferência Geral das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, em confirmação e inovação no que diz respeito à declaração da anterior conferência de Estocolmo, de vinte anos antes, o princípio de n. 15 deve ser considerado como a expressão do que se há de conceber como princípio da precaução, desta forma: “Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução...Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza cientificamente absoluta não deverá ser utilizada como razão para postergar a adoção de medidas eficazes, em função dos custos, para impedir a degradação do meio ambiente”. A propósito, o legislador parece não ter distinguido entre precaução e prevenção e parte dos doutrinadores incluem a prevenção no contexto da precaução. Contudo, o que é certo é que, conforme escreveu a Desembargadora Marga Tessler, do Tribunal Regional Federal n. 4, por princípio da precaução se deve considerar aquele que opera e se faz útil na falta de certeza sobre as consequências de uma atividade, enquanto que com o princípio da prevenção se lida nos casos em que “não se está frente a uma eventualidade, a uma dúvida”, mas sim já diante de elevado grau de verossimilhança do potencial lesivo da atividade, o risco não é mais de perigo, é risco de produção de efeitos sabidamente ruinosos”. Voltando ao acórdão do caso de Porto Belo, o que ele fez foi lembrar que a licença concedida pelo Município desconsiderara, também, a regra clara do parágrafo 1º., inciso III, do artigo 225 da Constituição, a saber, que os espaços territoriais protegidos – e o espaço da demanda era espaço territorialmente protegido - somente podem ser alterados e suprimidos através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.

Apresentadas essas considerações, cabe, agora, se fazer o registro do conceito de meio ambiente. Esse conceito de meio ambiente consta na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, artigo 3º., n. I. Segundo esse dispositivo legal, deve se entender por meio ambiente “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

“Ecologia”, não “meio ambiente”, era a palavra que se empregava para a importante ciência das relações entre os seres vivos e o seu meio ambiente, a saber, o solo, a água, o ar, o clima, elementos abióticos, figurando o meio ambiente como sendo o objeto da ecologia. Trata-se, a ecologia, de palavra formada pelos vocábulos gregos “oîkos” e “logos”, significando, literalmente, “ciência do habitat” (“ciência do meio ambiente”), segundo lição de Pascal Janot, em “História da Ecologia”. No prefácio dessa obra, Michel Godron observou que cabia se concluir de sua leitura que o estudo da vegetação guiou os primeiros passos da ecologia e que depois veio o do reino animal, alcançando-se, por fim, a ecologia do homem. Nessas condições, de se afirmar que a ecologia não seria ou teria sido nada mais do que um ramo da biologia.

A pouco e pouco, aparentemente, como que se tornaram sinônimas as palavras ecologia e meio ambiente. “Ecossistema” e outros vocábulos com origem na palavra ecologia fazem parte constante dos estudos sobre meio ambiente. E, como escreveu Édis Milaré em “Direito do Ambiente”, acontece que, gradativamente, com a palavra ecologia se passou a denominar o movimento ativista que se voltava para a proteção ambiental, abrangendo também conotações artísticas, sociais e políticas. Paralelamente, a ecologia sofria processo de interação com outras ciências além da biologia e, como acrescentou Milaré, surgiram denominações como Ecologia Urbana, Ecologia Social e outras. Deste modo, ao se falar em ecologia, “cabe pensar numa Ecologia holística, em que as relações são fortemente perturbadas pela espécie humana em detrimento do equilíbrio de toda a Terra”. O conceito legal de ecologia ou meio ambiente é um, os da doutrina variam, mas, na verdade, todos têm na sua formulação uma preocupação, a preocupação, com a qualidade ambiental.

Bem por isso, logo em seguida à conceituação dada a meio ambiente pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, esse diploma se ocupa em determinar o que é que se deve entender por degradação e por poluição da qualidade ambiental (artigo3o., ns. II e III). A degradação da qualidade ambiental é aquela que consiste na alteração adversa (contrária) das características do meio ambiente, por força de atividade antrópica ou humana, enquanto que por poluição a lei diz que se deve entender a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades humanas que, de forma direta ou indireta, 1 ) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população, 2) criem condições contrárias às atividades sociais e econômicas, 3) afetem desfavoravelmente a biota (conjunto de seres vivos que habitam um determinado ambiente ecológico, em estreita correspondência com as características, físicas, químicas e biológicas desse ambiente), 4)afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, 5) atividades de lançamento de matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Da própria natureza podem decorrer fatores adversos, como acontece quando os vulcões despertam de seu sono e lançam gases de efeito estufa na atmosfera. Essa deterioração, resultante de causas naturais, não é a degradação com a qual a lei se preocupa, mas sim a degradação resultante da atividade humana. Não há força humana capaz de conter esses gases expelidos pela própria natureza, mas uma grande parte da humanidade, isoladamente, ou através da Organização das Nações Unidades, ou de associações particulares, vem lutando contra o aumento da temperatura da Terra com causa nas atividades humanas em geral, em busca da manutenção do equilíbrio ecológico, sem prejuízo do uso coletivo. Os recursos ambientais a serem protegidos são a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo e o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

Poluidor vem definido pela lei como sendo a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (lei 6938/81, artigo 3º, n. IV). Nesses termos, poluidor e predador se sujeitam a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, enquanto que o usuário deve contribuir pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos (artigo 4º., n. VII). No artigo 14, par. 1º., a lei 6.938 dispõe que, sem obstar a aplicação das penalidades nele previstas, o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. Na hipótese de a atividade do poluidor vir a expor a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal, ou quando, com sua conduta, estiver a tornar mais grave situação de perigo, fica sujeito a pena de reclusão de um a três anos multa de 100 a 1.000 MRV (Maior Valor de Referência). Na mesma pena de privação de liberdade fica sujeita a autoridade competente que deixar de promover as medidas tendentes a impedir a prática das condutas descritas no “caput” do artigo 15 da lei 6.938. Nos casos de mera omissão de autoridade estadual ou municipal, ela pode ter que se ver sujeita a penalidades pecuniárias. É o que pode ocorrer quando não se prestar o servidor a uma fiscalização devida em termos de proteção ambiental, disso vindo a resultar invasões de áreas de preservação, por exemplo. No ano de 1998, foi sancionada a lei federal n. 9.605, que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências. Essa lei estende o alcance, com clareza e definição, em termos de responsabilidade pelos crimes nela previstos, na medida da culpabilidade de cada qual dos envolvidos, a todos aqueles que, de qualquer forma, concorrem para a sua prática, bem como ao diretor, ao administrador, ao membro de conselho e de órgão técnico, ao auditor, ao gerente, ao preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evita-la (artigo 2º.). Conforme mais disposto nessa lei, as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade, reza o artigo 3º, com parágrafo único a dispor que a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato. A lei 9.605 estabelece penas privativas de liberdade e penas restritivas de direitos, estas tanto para pessoas físicas como para pessoas jurídicas. Na lei, é feita especificação dos crimes contra o meio ambiente, primeiramente no referente àqueles contra a fauna, depois no que diz respeito aos crimes contra a flora. Em seguida, a lei cuida das sanções aplicáveis aos que causam poluição de qualquer natureza e também dos que executam pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, com destaque, no caso, para os que deixam de recuperar a área pesquisada ou explorada e para os que abandonam os produtos ou substâncias ou os utiliza em desacordo com as normas. Ainda no capítulo dos crimes contra o meio ambiente, vem a seção dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural. Finalmente, mais à frente, a lei trata dos crimes contra a administração ambiental. Num capítulo à parte, cuida da infração administrativa.

Mas, cumpre dizer que, em termos de política nacional do meio ambiente, o que interessa, primordialmente, não é pagamento de eventual indenização pelo poluidor, mas, sim, a reparação do dano no sentido de recuperação da área degradada, ou o retorno às condições anteriores à degradação, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida (cf. Lei 6.938/81, artigo 2º. e artigo 4º., n. VII). Para que esse objetivo venha a ser alcançado ou mantido, a condição básica consiste em se cumprir um mandamento: não degradar, não poluir. E, então, satisfeita essa condição, se poderá falar em meio ambiente sustentável. Bem por isso, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente considerou o meio ambiente como sendo um patrimônio público, a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo, e estabeleceu dever de ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico. Ação governamental essa a dizer respeito às florestas, a dizer respeito à proteção da fauna, à proteção e estímulo à pesca, a dizer respeito aos minérios, a dizer respeito ao plano de gerenciamento costeiro, a dizer respeito ao saneamento e a outros bens.

Há décadas, nos planos nacional e internacional, vêm se intensificando movimentos e ações, particulares e públicas, no sentido de se conseguir a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. O pensamento dominante passou a ser aquele em conformidade com a realidade, ou seja, que a natureza não obedece a fronteiras, embora os Estados façam questão de manter as fronteiras políticas deles.

A Constituição brasileira de 1988 colheu da experiência nacional e daquela auferida nos encontros no campo internacional importantes lições, que transformou em mandamentos. Ela introduziu inovador capítulo sobre meio ambiente. Pelos termos do que veio a dispor especialmente no artigo 225, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser considerado como um direito, um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Tornou-se parte da Lei Maior o que era objeto somente de leis ordinárias. Tão grande se mostra a importância do conteúdo do dispositivo que José Afonso da Silva, o grande constitucionalista brasileiro, escreveu que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado entrou na Constituição como direito fundamental da pessoa humana, um direito de terceira geração, coletivo e difuso, a se situar além dos direitos civis, que constituiriam a primeira geração dos direitos, e a se situar também além dos direitos econômicos e sociais, postos como sendo de segunda geração. E José Afonso da Silva acrescenta que, por se tratar de um direito à vida, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado prepondera sobre outros direitos coletivos e difusos, como o direito ao desenvolvimento, e sobre direitos de primeira geração, como o direito à propriedade. Vida humana e meio ambiente se entrelaçam como valores reciprocamente coimplicantes, ressaltou José Afonso da Silva. Titular desse direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não o é um indivíduo nem determinado grupo, mas sim o gênero humano mesmo, segundo invocada lição de Paulo Bonavides. Isto é, a titularidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é coletiva.

A Lei 7347, de 24 de julho de 1985, disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e, por fim, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, sem prejuízo da ação popular e das ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais. Essa ação poderá ter por objeto a condenação do infrator em dinheiro ou ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Conforme o previsto no artigo 13 da Lei, “Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais...sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados”. Poderá ser proposta ação cautelar para os fins da lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, cf. artigos 1º., 3º., 4º. O juiz pode conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a recurso (artigo 12). A legitimidade para propor a ação civil pública, tanto a principal como a cautelar, cabe ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às autarquias, empresas públicas, fundação ou sociedade de economia mista, às associações, quando constituídas há pelo menos um ano, e quando incluam entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Se o Ministério Público não intervier como parte, intervirá obrigatoriamente como fiscal da lei (artigo 5º.). A Constituição Federal de 1988, no artigo 129, veio a dispor que constitui função institucional do Ministério Público, dentre outras, aquela consistente em promover o inquérito civil e a ação civil pública , para a proteção do patrimônio público e social, proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, hipóteses em que, como entendido pelo STF, age como substituto processual de toda a coletividade e, consequentemente, na defesa de autêntico interesse difuso. Mas isso não estaria a impedir, todavia, ante a regra sobre competência prevista na Lei da Ação Civil Pública, a iniciativa do próprio ente público na defesa de seu patrimônio, que foi o que aconteceu no caso da ilícita construção no litoral de Porto Belo. Importa considerar, por fim, que a Lei da Ação Civil Pública, n. 7347/85, no artigo 21, prevê aplicação de regras do Código de Defesa do Consumidor no que referente à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, cujo conceito vem exposto nesse último diploma.

Da política urbana. Bem, sendo certo, como foi anotado, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental e que diz respeito à própria vida, e sendo sabido que nas cidades é que vive a maior parte da população brasileira, mais ou menos 80% da população, o legislador tratou de instituir na Constituição, nos artigos 182 e 183, um capítulo sobre política urbana. Assim é que, no artigo 182, consta ser dever do Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus cidadãos. No parágrafo primeiro, determinou o constituinte que a Câmara de Vereadores de cidades com mais de 20 mil habitantes devem elaborar, por lei, um obrigatório Plano Diretor, para servir como instrumento básico de sua política de desenvolvimento e de expansão urbana. Nesse Plano Diretor, devem ser incluídas as áreas da cidade destinadas a esse ou aquele item da política de desenvolvimento e de expansão urbana eleita e se facultou ao Poder Público municipal, mediante lei específica para alguma delas, exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, promover seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I – parcelamento ou edificação compulsórios, II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo, III – desapropriação com pagamento da indenização mediante títulos da dívida pública, com prazo de até dez anos para resgate, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados valor real e juros legais (parágrafo 4º., artigo 182). Esses artigos do capítulo da política urbana da Constituição foram regulamentados pela Lei Federal n. 10.257/2001. Nessa lei, denominada “Estatuto da Cidade”, constam as diretrizes gerais da política urbana previstas no “caput” do artigo 182 da Constituição. Trata-se das diretrizes, a serem seguidas pelo Poder Público municipal na execução da política de desenvolvimento urbano a ser posta em prática por cada qual das cidades. No artigo 2º., a lei 10.257/01, esclarece aquilo que se deve entender por direito a cidades sustentáveis, a saber , o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, a infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e para as futuras gerações. A garantia desse direito, a ser assegurada pelas cidades, constitui uma das fundamentais diretrizes da política urbana. Quinze outras diretrizes se juntam a essa diretriz de garantia pelas cidades do direito dos habitantes a cidades sustentáveis. Outros instrumentos mais destinados à realização da política urbana são especificados no artigo 4º.do Estatuto da Cidade, a exemplo de lei de disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo (“Lei de Zoneamento Urbano”), lei de zoneamento ambiental, lei de institutos tributários e financeiros, o estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e o estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

Poder-se-ia perguntar, ante as disposições dos artigos 182 e 183 da Constituição e de seu Regulamento (Lei 10257/01), onde teria ficado a tradicional autonomia dos municípios. Na verdade, em resposta, essa autonomia não teria ficado abolida, na medida em que as superiores normas legais em questão impõem ao Poder Público municipal apenas cumprimento de diretrizes de indispensável política de desenvolvimento urbano, ante o extraordinário e crescente número de habitantes das cidades, em todo o território do País. As superiores regras de política urbana a serem observadas não conflitam com aquelas do capítulo dos Municípios, cuja força determina reconhecimento neles de uma terceira esfera de competência exclusiva, ao lado da União e dos Estados (artigos 29 a 31 da Constituição Federal).

A verdadeira questão, na verdade, se desloca para outro campo, a saber, se o Poder Público municipal executa ou não, conforme as diretrizes gerais fixadas na lei federal, a política de desenvolvimento urbano estabelecida na Constituição. E a resposta é negativa, em geral. O saneamento ambiental não tem conseguido alcançar, na quase totalidade das cidades, a coleta total dos efluentes domésticos nem a totalidade do tratamento desses efluentes antes de serem lançados nos cursos de água; na cidade de S. Paulo, os esgotos domésticos do grande bairro do Morumbi ainda são despejados, sem tratamento, no Rio Pinheiros, permanentemente de águas poluídas por esse fato e pelo recebimento por ele de dejetos outros, muitos de origem clandestina. Isso vale em relação a efluentes de outros bairros no que referente a córregos e ao Rio Tietê. Os prazos de lei para a eliminação de lixões, que contaminam o solo em que lançados, não são cumpridos, passam de um governo para outro. As exceções meritórias ficam com os aterros sanitários Bandeirantes e São João, em São Paulo, com usinas que captam o metano e o transformam em energia elétrica, como ocorre também com o de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Não é o bastante, considerado o tamanho da cidade de São Paulo e do espaço geográfico que a circunda. No que tange a transporte, as cidades, em geral, não oferecem serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais. O planejamento, no que tange a transporte, não consegue sustentar nem mesmo obrigatória adoção de energia limpa pelos veículos e a mobilidade urbana se mostra sofrível. A lei federal n. 12.587/2012 esclarece que por mobilidade urbana se deve entender a condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano e, nos seus termos, deve operar o transporte não motorizado sobre o motorizado e deve se impor a prioridade de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado. Segundo os dados disponíveis, nada disso é o que ocorre, em nenhum lugar. As linhas de metrô demoram a se desenvolver, ao contrário do que se passou, numa comparação com as da China e do México. Uma satisfatória integração entre trens de metrô e linhas de ônibus, nas circunstâncias, se mostra distante e isto também em razão de insuficiência em termos de quantidade. Na busca por mobilidade urbana, a lei busca a mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade, devendo ser buscado incentivo para isso no desenvolvimento científico e tecnológico e no uso de energias renováveis e menos poluentes, eliminando-se, tanto quanto possível, o emprego pelos veículos a motor de energia de origem fóssil. Caminha-se vagarosamente, nesse sentido, nas cidades brasileiras, quanto a automóveis, ônibus e caminhões, embora aviões já estejam a empregar biocombustível em deslocamentos e até mesmo energia produzida a partir dos raios do Sol. Em São Paulo, a Administração alega que o emprego de radares nas vias públicas tem como meta não a arrecadação de dinheiro das multas pelas infrações de trânsito, mas sim a segurança de vida, a ser obtida, gradativamente, mediante o afastamento dos maus motoristas (cf. “O Estado de S. Paulo”, 7 de março de 2016). As estatísticas mostram que uma menor velocidade dos veículos no transito pode operar no sentido de correspondente diminuição no número de acidentes sobre o solo. Esse resultado significa muito, mas é preciso muito mais. As cidades mais populosas do mundo somente conseguiram pontos no quesito mobilidade quando conseguiram instituir, em integração, uma adequada e necessária rede de transporte público de linhas férreas não subterrâneas e subterrâneas, a par, na superfície, de deslocamento confortável, pontual e não moroso de veículos outros de transporte público e individual. Veículos não poluentes e dotados de tecnologia baseada em eletrônica.

Efetivamente, tem-se começado a falar, na atualidade, não somente em cidades sustentáveis, mas, sim, em “cidades inteligentes”. Como exemplos de cidades inteligentes, segundo constou em recente artigo da imprensa (jornal acima referido), estão aquelas em que a tecnologia tem levado a uma situação em que o chão, as luminárias, os ônibus e as lixeiras públicas possuem sensores que identificam o nível de poluição do ar, as vagas livres em estacionamentos, as lâmpadas danificadas, quais as lixeiras que precisam ser esvaziadas. São Paulo já aplica tecnologia para controle de semáforos à distância e alguns pontos de ônibus contam com painéis que acusam estimativa de chegada dos coletivos das linhas esperadas. No Rio de Janeiro a IBM forneceu à Administração um centro de operações destinado a identificar áreas com congestionamento do trânsito de veículos e de riscos de desastres naturais. As duas maiores capitais brasileiras, porém, quando em cotejo com Santander, na Espanha, Dubai, Cingapura e também Barcelona, ainda não podem ser chamadas de cidades inteligentes. Dispõem apenas de poucas ações inteligentes isoladas, quando é necessário, para que se possa falar em cidade inteligente, segundo pesquisadores da Universidade de São Paulo, que existam ações inteligentes a funcionarem de modo integrado e com troca de informações, devendo ser interpretados os dados por elas transmitidos. Por fim, quanto a isso, o grande desafio é poder ter modelo de financiamento para instalação de sistemas e para pagamento dos custos de operação e de manutenção. A Organização das Nações Unidas lançou plataforma online para desenvolvedores de cidades inteligentes sustentáveis. Segundo o departamento competente da ONU, fazer com que as cidades se tornem cidades inteligentes “é atualmente a única forma sustentável para o processo de urbanização que está e ainda deve permanecer em expansão nos próximos anos”.

Bem, que consigamos, primeiramente, ao menos, cidades sustentáveis.

Penso que, nesta altura, com esse pensamento, é hora de terminar. Eu quero agradecer pela atenção de todos os presentes.

José Geraldo de Jacobina Rabello, Des. Aposentado. S. Paulo, em 5 de abril de 2016 - GAJ

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