Homenagem ao extinto tribunal de alçada criminal:


“A expressão alçada deriva do verbo alçar, com o sentido de elevar e, juridicamente, de fazer subir a instância superior. O particípio passado do verbo alçar é tomado substantivamente e significa limite de competência de um órgão jurisdicional para conhecer e apreciar causas até o valor pecuniário fixado em lei”(primeira impressão, inverno de 1.997).

A lei não mudou muito, mas o ser humano, atualmente tem outra visão da norma, da regra social, dos fundamentos quanto à inviolabilidade do direito e da segurança do direito. Perdem sua independência somente na medida em que temem seu poder e suas ameaças por estarem ligados ao estado de sociedade. Diz a filosofia que o poder soberano é, pois, limitado, já que não se pretenda, contudo, que o é a ponto de não poder se fazer quando não ordena nada de impossível. Para que se tenha uma pequena noção das decisões, mas de fundamental importância, trouxe para sustentar esta observação, um julgamento que ocorreu em agosto de 1.953, pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Alçada Criminal (por coincidência a que tive a honra de pertencer há algum tempo depois), de um fato contravencional, que hodiernamente se dá pouca ou nenhuma relevância jurídica, quer por entenderem que a ação é movida pela insignificância do fato, quer por que perdeu a valoração da conduta e, portanto, menos válida, posto que a sociedade continua a se abster, por escolha própria, de referido ato punível que a lei ainda proíbe. O Acordão que será apreciado neste artigo representa o impulso da magnitude e pujança que se podem fixar no princípio de direito comum, próprio da natureza social do ser humano, somada às raízes do direito ideal, que se afirma como um princípio deontológico a ditar a direção de conduta na vida real. Vejamos:

“Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Criminal n. 2825, da comarca de Baurú em que é apelante a Justiça Pública, e, apelado A.S.; Acordam os juízes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Alçada, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso para que seja baixada a indispensável portaria afim de que o apelado seja processado pela contravenção prevista no art. 65 da respectiva lei – molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou motivo reprovável. A promotoria recorrente, em excelentes razões, integralmente sustentadas pelo Procurador Geral de Justiça, deixou demonstrado que o ato praticado pelo réu, em face do que ensinam alguns juristas pátrios e italianos, enquadrado no art. 61 da Lei das Contravenções – importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor – sem razão o escrúpulo do digno magistrado, com base na lição de José Duarte, de que essa infração nunca poderia caracterizar-se porque o fato se dera na ausência completa de testemunhas, de modo que a ofendida se constituiria no único árbitro, tal a sua sensibilidade da importunação ao seu pudor. Sem embargo e para que se não constranja o ilustre magistrado a fazer processar o apelado por uma infração que a êle se afigura sem um dos requisitos indispensáveis, a solução mais acertada para o caso é a instauração do processo com fundamento no art. 65, modalidade infracional de maior amplitude, com penas mais severas, o que permitirá afinal, se a prova o permitir e os ensinamentos jurídicos o indicarem a conceituação do fato como “perturbação da tranquilidade” ou como “importunação ofensiva ao pudor”, classificando-se a ação do apelado num ou noutro dispositivo legal. São Paulo, 21 de agosto de 1953. Adriano Marrey, Presidente; Olavo Guimarães, Relator; José Soares de Mello” (verbis).

A transcrição obedeceu à ortografia da época, que não é tão distante.

A contravenção penal “importunação ofensiva ao pudor” cuja pena era “multa” foi revogada pela Lei 11.983/09 passando atualmente à qualidade de “crime” em seu artigo 233 do Código Penal, como “ato obsceno”. Pena- detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. Neste caso, em face de interposição de recurso pelo Douto Órgão do Ministério Público, convalidou-se a nova definição jurídica consoante à regra processual contida no art. 383 do CPP. Quanto à contravenção “perturbação da tranquilidade”, observa-se que a natureza jurídica está representada pelos “bons costumes”, não havendo “forma culposa”, destacando-se o “dolo” como elemento subjetivo do tipo contravencional de “molestar”, ou ainda, “perturbar a tranquilidade de alguém”. Pode ser também classificada como infração de “mera conduta”. Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 2 (dois ) meses, ou multa.

Oitenta e dois juízes deram o aprimoramento necessário para o julgamento de milhares de processos, mercê de todos que permitiram a realização de uma justiça criminal, que possibilitou ultrapassar os desafios e manter a tradição de uma excelente administração. Parabéns a todos os magistrados que honraram o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Sinto-me também qualificado pelo merecimento desta consideração.

Laercio Laurelli – Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ( art. 59 do RITJESP) – Professor de Direito Penal e Processo Penal – Jurista – articulista – Idealizador, diretor e apresentador do programa de T.V. “Direito e Justiça em Foco”..


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